Entrevista: Kleiton Lima "Técnico do Vitória e da seleção brasileira feminina"
Terni Castro
Ele já tem a experiência de passar por grandes times do futebol feminino brasileiro e do exterior, além de somar títulos como o bicampeonato da Copa do Brasil e o bicampeonato da Taça Libertadores da América, ambos pelo Santos (SP). Não bastasse isso, é o atual técnico da seleção brasileira de futebol feminino. Todos esses atributos colocam o técnico Kleiton Lima, de 37 anos, como um dos mais requisitados da modalidade no País. Mas foi Pernambuco que ele escolheu para assumir um compromisso. Kleiton, agora, está à frente do Vitória, equipe estadual que se estrutura para alavancar o esporte na região. Nesta entrevista à Folha de Pernambuco, o novo comandante taboquito explica o porquê de ter vindo para o Estado, quais são os objetivos e previsões e, o mais importante, como quer levar o Tricolor das Tabocas ao posto de referência nacional na modalidade.
Fale um pouco sobre a sua chegada ao Vitória. Como foi a negociação para acertar com o clube?
Na verdade, eu conheci o Vitória através de Paulo Mayeda (gerente de futebol). Nunca tinha ouvido falar em Vitória de Santo Antão, o time foi o cartão de visitas. A aproximação se deu por conta desse contato, no qual Paulo passou para mim o projeto profissional em relação ao futebol feminino. Ele começou a me mandar esse material no começo do ano. Comecei a ajudar mandando atletas para cá e quando houve meu desligamento do Santos, ele me convidou para conhecer de perto o trabalho e assumir a equipe na Copa do Brasil, caso fosse campeã estadual - o que aconteceu.
É fato que no eixo Sul/Sudeste os times têm uma estrutura mais avançada, condições e investimentos melhores. O que te fez decidir vir para o clube pernambucano?
Foram duas situações. Primeiro, pelo projeto do Vitória. Não se trata apenas de uma competição (a Copa do Brasil). Os dirigentes querem transformar o clube em uma potência nacional da modalidade. Temos já em ação a construção do CT, com uma parte destinada ao futebol feminino. Isso nos dará uma condição adequada de formar atletas e trazer jogadoras de alto rendimento para cá. A segunda justificativa é por conhecer mais os times daqui, ter mais contato com as jogadoras da região e tornar o Vitória uma referência, assim como o Santos é no eixo Sul/Sudeste. Acho que a presença do treinador da seleção brasileira pode ajudar a alavancar essas condições, até porque na região existe muita matéria prima. O Vitória está se mexendo nessa dimensão profissional e isso foi fundamental para eu vir para cá. O que me trouxe definitivamente foi construir esse projeto junto.
Como foi o reconhecimento com a equipe?
Temos um elenco bom, apesar de ser pequeno ainda em relação ao projeto. A gente pretende ter mais atletas de alta qualidade. Trouxemos meninas que já estiveram ou estão na seleção, outras têm que ter um trabalho mais adequado, mas estamos correndo contra o tempo para igualá-las em termos de preparo físico, técnico e tático. Está sendo muito oportuno. Em uma semana que estou aqui, elas sentiram um pouco meu estilo de treinamento. Bruno (Angeiras, agora auxiliar técnico de Kleiton) fez um grande trabalho, mas existe uma diferença nos desenvolvidos, por exemplo, em São Paulo. A exigência é maior. Modificamos algumas coisas em relação ao volume e dinâmica profissional. Algumas jogadoras só treinavam duas, três vezes na semana e isso mudou. Teve um impacto, um choque profissional, e isso é muito proveitoso.
Você acredita, então, que esse choque profissional é um ponto crucial para o desenvolvimento do projeto do Vitória? É uma forma de mudar o “fazer o futebol” que existia?
Exatamente. A nossa ideia é de implantar essa forma profissional na teoria e na prática. Temos uma diretoria voltada para a modalidade, presidente trabalhando em período integral para ajustar as situações, um gerente voltado só para o futebol feminino, além de toda uma equipe de mídia e comunicação. É um clube que vive hoje o futebol feminino dentro dessa atmosfera profissional, e essa minha chegada é a “cereja do bolo” no sentido de trabalhar e exigir profissionalmente. O choque é muito positivo.
A própria cidade de Vitória de Santo Antão vem acolhendo a equipe desde o ano passado, quando elas foram campeãs estaduais pela primeira vez...
Não conheço muito ainda, mas a população acolheu muito bem. A mídia regional só fala das meninas e onde passo várias pessoas perguntam como está o time. O importante é que a modalidade está criando uma raiz, uma identidade com a cidade. Até pelo fato de o time daqui não estar na Primeira Divisão (foi rebaixado esse ano para a Série A2 do Pernambucano), criou-se uma expectativa para o futebol feminino, que já é bicampeão estadual e luta para chegar à Libertadores. Tudo isso cria uma identidade positiva, mobiliza e vai ajudando a crescer o Vitória.
Mas você acompanhava o desempenho da modalidade feminina em Pernambuco?
Sempre busquei contatos em todos os clubes do Nordeste, como o São Francisco do Conde (BA) e os da Paraíba. Em Pernambuco era pouco, existia apenas uma ligação com Bruno, antes treinador do Sport, e depois com o Mayeda, que mandava o relatórios sobre o Vitória. Porém, sempre acompanhei as jogadoras. Quando se destacavam, procurava saber de perto, mas eram fatos isolados. A Lili Bala, por exemplo, eu já conhecia e agora tenho a oportunidade de treiná-la. Vaidades a parte, acho que foi um ganho muito grande para o Nordeste o fato de o Vitória abrir esse departamento profissional e ter me trazido junto com outras atletas de seleção. Sem isso, a região poderia ficar no esquecimento, sem ninguém para garimpar e trabalhar de perto as atletas.
Falando um pouco do planejamento, você afirmou que não veio somente para a Copa do Brasil. Um dos grandes objetivos, sem dúvida, é a conquista do título e da vaga na Libertadores. Observando o elenco, o que você projeta para o Vitória na competição?
A gente está na fase de quartas de final, que é bem equilibrada. Têm as equipes do Sul e Sudeste que são finalistas quase todo ano. Agora pegaremos um adversário bem graúdo, o São Francisco (BA) ou o Botafogo (PB). Pelo elenco que tem, o Vitória é um dos candidatos a chegar na semifinal. Agora, no futebol acontece tudo. Nosso grupo é bom e tem jogadoras experientes. O time tem qualidade e pode buscar o título, mas vamos correr por fora, porque também existem equipes tradicionais e fortes como o Santos (SP), Vasco (RJ), Foz Cataratas (PR) e o próprio São Francisco do Conde (BA). Não dá para bater no peito e dizer que o Vitória será campeão, até porque essas outras equipes também são estruturadas.
Sobre a seleção, você vê alguma jogadora do Vitória com potencial de chegar no elenco principal?
Têm algumas que já estão comigo. O Vitória tem equilíbrio entre jogadoras mais jovens e experientes. Mas antes de pensar em serem aproveitadas, têm que ver que estamos no final de um ciclo na seleção. Comecei em 2007 e só falta o Pan e a Olimpíada para fechá-lo. Testei muitas jogadoras nos primeiros anos, mas depois você monta uma equipe base. Nós temos jogadoras no Vitória, principalmente as mais jovens, que têm potencial para chegar numa seleção. As mais experientes não sabemos se terão vitalidade para jogar uma Copa do Mundo. Porém, lógico que pode ter oportunidade. Costumo dizer que seleção é momento. Se tiver uma jogadora com grande destaque, independente da idade, pode chegar.
Mas você vê alguma pernambucana com essa característica de trabalhar para ser convocada, sem falar da goleira Bárbara (do Foz Cataratas/PR), que já tem um histórico?
Têm jogadoras que estão no elenco do Vitória que podem chegar a esse patamar, mas prefiro não citar nomes.
Falando em seleção, uma pergunta recorrente é o que falta para ganhar um Mundial. Teria alguma explicação?
A gente jogou essa Copa do Mundo muito bem preparado. Dentro do que foi possível, nossa preparação foi a ideal. Talvez tenha faltado mais amistosos internacionais, mas fizemos jogos importantes contra Suécia, Holanda, México, Canadá... Acredito que falta também outras competições para a seleção jogar, que não sejam a Olimpíada ou o Mundial. Isso acontece com a Champions League (na Europa) e na América do Norte. Apesar disso, nós estávamos equilibrados, bem preparados tecnicamente. Vi um grupo muito concentrado para jogar uma Copa. O Brasil não regrediu de quatro anos para cá. Pegamos os EUA, que junto com a gente e a Alemanha, era candidato ao título. É tudo no detalhe. O importante é ter preparo, o Brasil teve. Mas, no futebol, se você fizer tudo certo, mesmo assim não tem certeza que vai ser campeão. Se fizer tudo errado, você tem certeza de que não vai chegar lá.
Aproveitando o momento de Marta - cinco vezes eleita a melhor do mundo -, você acredita que a imagem dela deveria ser melhor explorada, até para desenvolver mais o esporte e angariar mais investimentos?
Sem dúvida. Acho que a Marta e a seleção brasileira são os grandes responsáveis pelo desenvolvimento do futebol feminino. Marta é a referência mundial na modalidade. A grande sacada de crescimento no Brasil foi quando a trouxemos para o Santos, em 2009. Marta era ídolo fora, mas não aqui dentro. Trouxemos o ícone para ser referência no País também. O Pan de 2007 ajudou muito, já que as pessoas começaram a gostar e isso ajudou o futebol feminino. Todo mundo vê a disposição e a entrega das jogadoras e as elogiam, mesmo perdendo a Copa. Imagine se ganhasse? Marta é a embaixatriz da ONU, nos EUA vende até boneca dela, mas no Brasil ainda é pouco explorado. Conseguimos quebrar o tabu do preconceito, mas temos que quebrar outro de que é uma modalidade que vale a pena investir.
Você já trabalhou com equipes masculinas e até já foi “espião” de Parreira na Copa de 1994. Quais são as principais diferenças do esporte entre os homens e as mulheres?
Na verdade, no meu trabalho como treinador muda muito pouco relacionado à parte técnica e tática. Às vezes tem só uma adaptação porque a jogadora brasileira não tem preparo na base. Elas não têm a oportunidade de aprender uma disciplina tática. A dificuldade, então, é em relação a introduzir certos sistemas e variações. Tecnicamente a exigência é a mesma. No físico, é diferente, a exigência é maior no masculino. Mas o trabalho emocional muda completamente. Você tem que conhecer o universo feminino - a mulher leva os problemas pessoais para o trabalho, diferentemente do homem, salvo exceções. Se ela tiver problema, dificilmente rende no campo. O envolvimento emocional é muito maior, você tem que ser o tempo inteiro psicólogo, conselheiro, paizão e também o treinador que dá aquela chacoalhada. Em compensação, percebo que elas são mais determinadas.
Para finalizar, como será o seguimento desse projeto no Vitória? Pensa em continuar no clube?
Estando ou não, quero deixar esse projeto pronto. Tenho discutido muitas ideias para tentar transformar o clube num potencial do futebol feminino, não só em resultados, mas principalmente em estrutura. Queremos transformá-lo em centro de excelência. Acho que vai chegar no seu ápice em 2013. Vou contribuir até lá direta ou indiretamente. Tenho certeza que daqui a um ano quando perguntarem aos torcedores de Pernambuco para que time eles torcem, eles não responderão somente Sport, Náutico e Santa Cruz, mas dirão também que são Vitória no futebol feminino
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