Por Jade Amorim*
Para ilustrar o dia de ontem, pintado no céu, um nublado de dar medo. Ou seria o contrário? A chuva que nos persegue, seria apenas pra lavar a alma? Para o Santa Cruz, prenúncios não são confiáveis. Cravar o que quer que seja sobre o futuro do Santa parece mais uma roleta russa. Pra nos assustar, mais uma vez, hoje, o céu escuro, e promessa de gramado molhado, e todas aquelas lembranças que acompanham esse panorama para jogos do Santinha, e ainda mais no Arrudão, diante da plateia atônita.
A caminho do estádio, um comentário de meu amigo Agnelo me chama a atenção: a tradicional blitz que sempre fica na Professor José dos Anjos não deu o ar de sua graça. Não botaram fé na torcida do Santinha? Ninguém botava mais fé no Santinha? Tudo elemento pra criar um clima de suspense pro jogo, tudo ingrediente pra deixar o caldo do caldeirão do Arruda mais ardente. Nesse caldeirão tinha até uma pitada de alecrim, tirada da boca da coral gigante do Chico da Cobra. Dentro da panela gigante, cosedora de adversário, um clima muito bom, leve, apesar do mau tempo, esperançoso apesar da expectativa e da pressão pela vitória. Dava pra sentir que o destino não ia aprontar pra cima da gente.
E nisso pude cravar: ia dar Santa! Uma sensação boa de que Caça-Rato ia destruir, para logo depois determinar que se não fosse o jogo, seria nossa paciência, já no cotoco com ele, e aí voltar a me preocupar. Lembro da volta de Natan para recuperar a esperança, mas aí me gritam junto ao ouvido: Natan volta, “el jugador de cristal”. Não posso mesmo seguir uma linha de pensamento sendo santacruzense, tenho de me conformar com essa paisagem bipolar. O tempo abre antes do jogo, o céu até ensaia um azul, o sol aparece, pra tornar a sumir.
O tempo brinca com o sentimento do torcedor coral, num vaivém de emoções. Tempo bom, tempo fechado; sol, chuva. Mas como o mundo é engraçado, e coisas como que para ser grande tem de ser humilde, o inverso do inverso pode significar a glória para o Santa Cruz. Onde o time grande é sempre prejudicado pela arbitragem, e os pequenos se agigantam, no Reino da Série D, onde a facilidade é impossível e a dificuldade é vencida bem tranquilo. Ao menos de inversos temos de viver, não é verdade?
O jogo já começa prometendo replay do jogo passado, mas uma refilmagem, e com um ator semiestreante: Ludemar dá uma de Thiago Cunha e já inicia o jogo para o Santa com vantagem no placar, marcando o score com apenas um minuto de jogo. Abençoado, o rapaz? Confesso que nesse Reino da Série D, fiquei com medo. Lembremos que o inverso nos persegue, amigos. Começar o jogo ganhando pode ser ruim, com foi na última partida. Mas será que o final do filme iria se inverter também? Ao menos o roteiro foi bastante parecido com o último jogo.
De fato, o que fez a diferença foi o inverso do inverso, no fim das contas.
Caça já começa, de seu lado, torando o resto de cotoco de paciência que a torcida tinha com ele (ainda tinha?): aos três minutos (aqui você tem precisão inglesa, meu amigo), Caça cabeceia uma bola, numa disputa no meio, para TRÁS! (lembram do inverso?). Começam os xingamentos ao atacante. Aos quatro, Ludemar mostra muita disposição disputando bola quase perdida na entrada da área potiguar de cabeça. Torcida gosta. Olha o inverso do inverso aí, gente!
Aos seis minutos, corre a notícia de que o Santa falso já abrira 1X0 no seu jogo, dando uma mãozinha para o Santa verdadeiro. E tome mais pimenta no caldo tricolor. Aos oito minutos, falta em Caça na direita da intermediária potiguar. Dutra na cobrança e André Oliveira desperdiça o cabeceio, que bate no seu cocuruto e vai pra fora. Lembrei de Mathias, só pra voltar a esquecer, com prazer. Aos dez, entra em cena novamente a figura do juizão. Lembro que esse jogo é uma refilmagem do anterior. Começam as inversões de lances contra o tricolor. Torcida, que não tinha nem mesmo um cotoco de longanimidade para com o regente da partida, já começa a verborragia dirigida ao homem do apito. [13 min: falta na direita da área. Wesley é derrubado. Bola é respingada. Na volta, bola sai a escanteio, que juiz não dá. O caldo ferve no Arruda, com direito a especiarias.] O Guarani empata. “Espere, o cara tava impedido”, diz o vizinho de sociais. Pensei comigo: não é possível, a irmandade dos juizões está de brincadeira, arrumaram um empate fantasma pro Guarani invertido… Mas não, me preguei uma peça. O gol havia sido anulado, o que só fui descobrir pouco depois.
Aos 15 minutos, o queridão de preto, o homem das tarjetas, amarela Caça. A Inferno tenta esquentar a chapa: “♫A a a, se roubar vai apanhar!♫” Adiantou? Na sequência o Santa tinha um bom contra-ataque, juiz não dá vantagem clara e pára o lance. Aos 16, de novo ele, Caça-Rato recebe uma bola boa pra mandar rasteiro voltando, mas antes disso pedala, mas não consegue furar a zaga. Torcida joga o cotoco fora. Enquanto isso, o homem de preto segue mostrando excesso de rigor com o Santa. Aos amigos, o amor, aos inimigos, o apito?
Aos 18, uma jogada de gelar a espinha: o Alecrim perde um gol feito. Zaga não acompanha e atacante vem de trás para fuzilar, por cima do gol. Prenúncios não valem para o Santa, mas nada contra valerem para o adversário. E o gol acontece, aos 21. Brincadeira dentro da área do Santa e a punição é aplicada. Bola na rede.
No reinício da partida, Caça sobe livre, mais uma vez, e, mais uma vez, desperdiça o último passe. Mais um defeito que se acha pro striker do time. Aos vinte e três, Memo, próximo à área norte-riograndense, perde a bola e recupera, pra deixar pra Wesley, que chuta de fora, fazendo a bola passar com muito perigo por sobre a meta alviverde. Já perto do primeiro terço de jogo, sente-se claramente a falta do primeiro volante que é Jeovânio. O meio não consegue dar combate, e o time do Alecrim tem espaço para trabalhar a bola e ameaçar nos contra-ataques. A rocha humana faz falta.
Aos 28, dessa vez é Dutra quem aparece, numa cobrança de falta da lateral da intermediária próxima, em que bate direto pro gol, obrigando o goleiro a espalmar pra fora. No escanteio, a zaga joga contra o patrimônio e a bola quase entra. Mais uma vez, quase. 10 minutos depois, o quase se inverte. André Oliveira falha e o Santaquase toma o segundo.
A observação dos 44 minutos: Caça Rato muito mal na partida, errando passes, desperdiçando jogadas, fazendo faltas desnecessárias. Aos 45 minutos, Ludemar sobe livre em contra-ataque, limpa o zagueiro e chuta, defensor chega na hora e abafa o que seria o segundo gol coral. E assim termina a primeira metade. Assim permanece o medo de o filme se repetir. O pior é que nem o controle temos nas mãos para mudar de canal, trocar o disco, botar uma legenda nesse filme de suspense, o que for.
Zé não desce com o time para as vestiárias, deixando-o no campo para a preliminar do intervalo. Segue a lição de Jorginho, ex-auxiliar do técnico Dunga. Torcida, já sem paciência alguma, nem um toco que seja, diz que é pra evitar vaias. Certo Zé, já que esse comportamento, nessa hora, certamente surtiria o efeito contrário do desejado pela torcida nos jogadores. O segundo tempo vem junto com a chuva, pontualmente às 17h, com mesmo time em campo. Nada de Jeovânio pra barrar o meio, nada de Bismarck, pra botar pra cima. Aos 05 minutos, Ludemar aparece pela esquerda para encontrar Dutra livre pelo outro lado. Juiz marca impedimento. Infelizmente, tudo que parte da arbitragem é de se desconfiar. Que seja, vamos fazer um gol logo em seguida, mesmo. Porque aos 10, o goleiro espalma chute de Dutra abafado pelo defensor, bola sobra para Wesley arrematar na trave antes da bola entrar, só para aumentar o volume do grito de gol, o mais forte em muito tempo, lá do fundo da garganta.
Pelo lado da zaga, destaque-se a boa partida de Leandro Souza, bem nos desarmes, novamente transpirando confiança. Zé mexe no time e põe Maranhão no lugar de Natan. A pergunta: cadê Bismarck? Depois da partida magistral da rodada retrasada, essa pergunta vai ecoar até que Zé decida dar uma nova chance ao rapaz. Aos 18 minutos, camisa 6 do Alecrim decide fazer boa jogada, passa do zagueiro tricolor e chuta, o Paredão é obrigado a fazer grande defesa. Pouco depois, Leandro Souza tenta anular o elogio que lhe fiz mais acima, erra, mas se recupera logo em seguida. O inverso do inverso.
Zé decide mexer de novo. Bismarck? Jeovânio? Que nada, ele vai mesmo é de Ricardinho. Brincadeira! Por falar em brincadeira, ouvi por lá que os responsáveis pela sujeira dos bancos da arquibancada eram três: o dito cujo acima, mais Leandrinho e Wesley. Incrível como o autor do agradecido gol anda se escondendo do jogo ultimamente. Só não venham chamá-lo de discreto , por favor. Aos 28, Maranhão rememora cenas do filme em que atuou de forma brilhante ao lado do astro Bismarck, que anda meio no ostracismo: atira um belo chute que passa à direita do gol alecrinense. Aos 30, bela subida de Dutra pela esquerda e mais um gol perdido.
Aos 32, o que seria a consagração (às favas com a maldição dos prognósticos!) da vitória coral. Ludemar perde um gol feito na cara e faz até chover novamente, de tão impossível que era o lance de ser perdido daquela maneira. Pra completar a belezinha, entra Kiros no lugar de Ludemar. Brincadeira, Zé! Aos 40, todo mundo doido pra acabar o jogo. Você doido pra terminar a leitura e eu doido pra fechar o texto. A bola sobra para Wesley, com tempo e espaço, na entrada da área, pelo meio, chutar encima do arqueiro. Quando for se sentar nas cadeiras da arquibancada do Colosso e procurar os habitantes das fendas escuras do Arruda para amaldiçoá-los, lembre-se destes três nomes: Ricardinho, Leandrinho e Wesley, que quer entrar pra turma.
Ah, antes do jogo acabar, lembremos que o roteiro do filme, embora nem sempre seja igual nas refilmagens, guarda elementos centrais da trama anterior. Pois o homem de preto, ou amarelo, quis ser novamente protagonista, e expulsou mais um atacante tricolor, em mais um arroubo de prepotência, quase prejudicando o Santa mais uma vez. Vermelho direto, pra variar. Silêncio novamente da torcida? Não, isso também foi mudado do roteiro original. Sandro abriu o verbo contra a arbitragem. Amém!
No fim das contas, o inverso mostra sua face. Vitória tricolor, classificação e alegria no Arruda. Nada de replay, nada de chuva, nada de lágrimas. Acontecimento pictórico de hoje: jogadores saindo de braços dados e trilha sonora direto da arquibancada: “Guerreiros, guerreiros, time de guerreiros!” Trailer do próximo filme? Se o inverso deixar…
* Jade Amorim é sou designer, estudante de Direito, filósofo e blogueiro
Nota: O texto não reflete, necessariamente, a opinião do Blog
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